
Noite fria, coração vazio e vontade de fugir. Não deu outra, sai de casa com o velho chapéu de vime na cabeça rumando pra cidade velha. Entrei no antigo cinema que agora é um teatro todo redecorado cheio de figuras que buscam singularidade.
Subi as escadas que levavam a antiga sala de projeção e fui acomodar-me nas poltronas superiores. De lá, vi o grande palco pronto pra encenar "A Perfeição Perdida" de um autor desconhecido, mas bem sacado. Os atores eram jovens e prematuros mais caiam muito bem na seqüência das cenas. Eram sujos, inocentes, mas sinceros. Percebia-se que vinham da rua. Possuíam toda a malícia dos que passaram fome e a placidez do bem alimentados. Papéis de anjos caídos são velhos e ultrapassados, mas na pele daqueles garotos retomavam vigor e impressionavam por ser cru.
A montagem como um todo era bizarra, e parecia adequada a proposta. O paraíso é realmente uma idéia defasada e a perfeição só existe nos olhos do iludidos. Revivi, alimentei o espírito e continuei caminhando.
Seis anos depois passo em frente ao velho cinema agora teatro e vejo a mesma "A Perfeição Perdida"
Vi os mesmos atores com os mesmos truques sacados, os mesmos jogos simples, mas envolventes, a mesma sensualidade promiscua. Descobri que pouco basta pra um bom estado de espírito. Tomei um porre com os desgraçados no final da peça e concluímos que aquela estória pode ser repetida por quem sabe 2000 anos.